Prefixos relacionais como evidência histórico-comparativa: os casos Chiquitano e Jabutí

[Conferência apresentada no VII Encontro Macro-Jê, Brasília, 19/outubro/2010]

Os estudos comparativos do tronco Macro-Jê padeciam, até bem recentemente, da escassez de dados lexicais das línguas possivelmente pertencentes ao tronco. Isto devia-se, principalmente, à combinação de dois fatores principais: por um lado, grande parte das línguas Macro-Jê, faladas no leste brasileiro (famílias Purí, Kamakã, Krenák, Maxakalí e Karirí), se extinguiram antes que tivessem sido devidamente documentadas; por outro, grande parte das línguas sobreviventes, principalmente as faladas no oeste e norte do país, só recentemente começaram a ser intensivamente estudadas (Ofayé, Karajá, Rikbaktsa, etc.). Neste contexto de escassez de evidências lexicais, a identificação de casos de peculiaridades morfológicas compartilhadas, como aquelas apontadas por Aryon Rodrigues (1992, 2000), veio a desempenhar papel essencial na demonstração da unidade genética de parte do tronco.

Uma destas peculiaridades é a existência –nas famílias Jê, Karirí, Ofayé, Boróro e Karajá (Rodrigues 2000) — de formas alternantes para raízes nominais, verbais e posposicionais, caracterizadas por uma variação na consoante inicial do tema. Na análise proposta por Rodrigues, tais alternâncias envolvem um “prefixo relacional de contigüidade” (um prefixo de ligação ou prefixo relacional propriamente dito, na análise de Ribeiro (2004, 2005)) e um “prefixo relacional de não-contigüidade” (que Ribeiro prefere tratar, simplesmente, como um prefixo de terceira pessoa). Antes que tais consoantes fossem analisadas como prefixos, haviam sido tratadas como partes da raiz, em análises, por lingüistas do SIL, de línguas como o Karajá (Fortune 1964) e o Timbíra (Popjes & Popjes 1986); uma análise semelhante, no que diz respeito ao que seria a forma básica da raiz, é também proposta por Salanova (2009). Embora haja discordância – controvérsia, até – entre diferentes autores quanto à análise de tais alternâncias, elas constituem, em si, fortes indicações de relacionamento genético, especialmente quando são – como vêm sendo (Ribeiro 2004) — corroboradas por correspondências fonológicas regulares.

Como esta conferência pretende demonstrar, o valor histórico-comparativo das alternâncias detectadas inicialmente por Aryon Rodrigues acaba sendo corroborado por fontes inesperadas: o Chiquitano (Bolívia e Mato Grosso) e as línguas Arikapú e Djeoromitxí (família Jabutí, Rondônia). Embora tais línguas sejam excluídas do tronco na classificação de Rodrigues (1999), estudos recentes (Adelaar 2008, Ribeiro & van der Voort a sair) apresentam fortes evidências lexicais e gramaticais para sua inclusão. Entre as similaridades gramaticais detectadas, incluem-se alternâncias consonantais que têm, muito provavelmente, a mesma origem das alternâncias descritas como prefixos relacionais por Rodrigues. Assim, embora a inclusão do Chiquitano e das línguas Jabutí venha a alterar a classificação proposta por Aryon Rodrigues, parte das evidências em que se baseia acaba por corroborar um insight original do mesmo autor.

Referências bibliográficas:

Adelaar, Willem F. H. 2008. Relações externas do Macro-Jê: O caso do chiquitano. In Stella Telles & Aldir Santos de Paula (eds.), Topicalizando Macro-Jê, 9-28. Recife: Edições Néctar.

Fortune, David and Fortune, Gretchen. 1964. Karajá grammar (manuscript). Rio de Janeiro: Arquivo Lingüístico do Museu Nacional.

Popjes, Jack and Jo. 1986. Canela-Kraho. In: Derbyshire, Desmond C. and Geoffrey Pulum (eds.). Handbook of Amazonian Languages, Vol. I. Berlin: Mouton de Gruyter.

Ribeiro, Eduardo R.. 2004. Prefixos relacionais em Jê e Karajá: um estudo histórico-comparativo. In D'Angelis, Wilmar da R. (org.), LIAMES (Anais do II Encontro Macro-Jê), 4, p. 91-101. Campinas: IEL/Unicamp.

Ribeiro, Eduardo R. 2005. Análise morfológica de um texto Karajá. In Rodrigues, Aryon D. & Ana Suelly Arruda C. Cabral (org.), Novos estudos sobre línguas indígenas, p. 99-128. Brasília: Editora UnB.

Ribeiro, Eduardo Rivail & Hein van der Voort. A sair. Nimuendaju was right: the inclusion of the Jabutí language family in the Macro-Jê stock. International Journal of American Linguistics (special volume on historical linguistics in South America, edited by Spike Gildea and Ana Vilacy Galucio).

Rodrigues, Aryon D. 1992. Um marcador Macro-Jê de posse alienável. Anais da 44a Reunião Annual da SBPC, p. 386. São Paulo:SBPC.

Rodrigues, Aryon Dall'Igna. 1999. Macro-Jê. In Dixon, Robert M. W. & Alexandra Aikhenvald (org.), The Amazonian Languages, p. 164-206. Cambridge: Cambridge University Press.

Rodrigues, Aryon D. 2000. Flexão relacional no tronco lingüístico Macro-Jê. Boletim da Associação Brasileira de Lingüística, vol. 25, p. 219-231.

Salanova, Andrés Pablo. 2009. Não existem prefixos relacionais nas línguas Jê. In Braggio, Silvia L. B. & Sinval M. de Sousa Filho, Línguas e Culturas Macro-Jê, p. 259-271. Goiânia: Editora Vieira.

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