Manifestinho
Vocabulando, encabulado… Sendo eu caipira (vide Pedra do Indaiá) e sertanejo (vide Correntina), via Mato Grosso e Goiás, meu universo lingüístico tem sido sempre diverso. Menino ainda, já me fascinavam as diferenças lingüísticas entre nós e nossos vizinhos, mineiros (como meu pai e quase todos na pequena cidade do interior goiano). Afinal, eles, os vizinhos, não sabiam o que era uma rabinha (pequena panela, ideal para se fazer café ou mingau) ou uma roseta (amassador de feijão, feito de várias estrelas de metal e um cabo de madeira), palavras que herdáramos da Bahia. Com a escola, tornar-me-ia também fluente (o que explica o mais-que-perfeito e a mesóclise) em português brasileiro padrão (do qual, sinceramente, nunca encontrei um falante nativo).
Em vez de ser um caso excepcional, esta é a norma no universo lingüístico brasileiro. Somos, via de regra, diglóssicos, se não em dialetos diferentes, pelo menos entre nosso dialeto local e o português padrão. Como lingüista, esse é o pano de fundo da minha compreensão do que vêm a ser os portugueses brasileiros. Embora a escola se esforce para arrancar o dialeto do aluno, é a universidade que parece mais bem sucedida neste intento. Ironicamente, justamente nos cursos de letras. Sem essa âncora, o lingüista acaba fazendo jus ao ditado de que "santo de casa não faz milagre", aceitando análises de sua própria língua que ignoram o ambiente multiglóssico em que vivemos.
Qualquer análise do português brasileiro que o trate como fenômeno monolítico (como a própria abstração "português brasileiro" sugere) é, em minha opinião, fadada a resultados deficientes, quando não completamente incorretos. Daí minha discordância com análises amplamente aceitas de fenômenos como a marcação de plural, que não percebem o conflito sempre existente entre o português doméstico e aquele aprendido na escola e difundido pela mídia. A análise que eu proponho (neste artigo aqui) baseia-se na noção de "sistemas coexistentes" proposta por Salikoko Mufwene e adotada por, entre outros, William Labov.
Nesta página vou colecionando minhas impressões sobre aspectos do português falado no Brasil e suas implicações para a lingüística geral. É meu intento defender que, antes de buscarmos em outras línguas fatos pouco conhecidos que enriqueçam a teoria, é necessário que compreendamos bem nossa própria língua. Trabalho de campo, afinal, começa em casa.
Pequeno léxico de curiosidades
- Clique no título para ver detalhes da entrada lexical, em página à parte. Cada entrada contém um link para que aqueles interessados possam enviar opiniões e exemplos sobre o uso da palavra em questão.
aribé 'prato ou bacia de barro'. A primeira menção que encontrei da palavra foi em um blog sobre os usos do umbu em Uauá (nordeste da Bahia) em que se mencionava o aribé (http://goo.gl/W2jGK), "um tacho grande de barro".
moi 'primeira pessoa oblíqua'. In (Brazilian) Portuguese, French moi is commonly used informally, mainly in a sort of tongue-in-cheek "style." Ex.: O Jair, honesto e trabalhador? Pra cima de moi? It is generally pronounced as two syllables (that is, unlike French ['mwa]).
tiu 'cachorro'. É termo doméstico e familiar, usado especialmente (não exclusivamente) como vocativo. Exemplos: Pega, tiu!; Cê já deu comida pro tiuzim?; Rèda, tiu!; Passa, tiu!; Tiu, tiu, tiu! (dependendo da entonação — chamando para comer, "estumando", etc.).